sexta-feira, 31 de julho de 2009

fio condutor

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sou uma extremidade,
a outra, uma ponta perdida.
entre nós, um fio,
talvez um pêlo comprido e detido.

era uma ponta,
a outra, uma extremidade longínqua,
entre nós, uma ligação uterina,
talvez um apelo retinido e contido.

sou um fio,
talvez uma linha comprida, pouco finita.
Numa ponta, a vida,
na outra, uma conformidade esquecida.

era um pêlo,
um emaranhado novelo,
expandido no quarto cúbico
e sem fala e sem grito e...abúlico.

terça-feira, 28 de julho de 2009

O Rochedo

Olhei o rochedo à distância,
trouxe inquietações à alma
e poucas sensações naturais.
Aproximei até admirá-lo face a face.
Quanta imponência e quanta permanência.
Me negava.
Toquei. Era granito indestrutível.
Me negava, pois era carne perecível.

As ondas beijavam-lhe a face e
as espumas insistiam na alvura
para sempre aderir à candura,
escorregavam, lentamente escorregavam,
lambendo a dureza dos fundamentos.
As altas reentrâncias, perfeitos ninhos
dos petréis, maçaricos e gaivotas, otas...otas.
Abrigo e sustento é a torre forte. Perene.

Os ventos sibilavam nas pontas
ressonantes, nos assobios e ecos.
As espumas e as cavernas ocultas.
Penhasco intangível, frio, dominante frio,
morada dos raios e trovões visitadores,
quando os céus desmoronavam suas dores.
Ainda assim, o rochedo permanecia sereno e
impassível contemplava. Um tempo contemplava. Todo...passado.

quinta-feira, 23 de julho de 2009

por um triz

Vi no motorista um exímio humano,

que vestia aço como fosse pano.

Sereno, permanecia no contraste

do ônibus, que engolia "fast"

todos os metros da rua Santa Clara.

Embalada, a lataria na curva dobrava,

mas tal perito com precisão calculava

a folga da guia fatal, que assustava.

terça-feira, 21 de julho de 2009

Naufrágio do maior porta-aviões do mundo






















Hoje, recebi uma mensagem criptografada em 128bits, que não deveria abrir ao público, por ser considerada "top secret", mas o meu dever como homem libertário, me obriga a revelar seu conteúdo. Por uma questão de segurança não irei publicar o nome do porta-aviões e como ele naufragou, usarei da cifra de Viginère para as palavras em itálico. Todos aqueles que são ligados às questões de segurança e defesa sabem o significado do código azulação.


O porta-aviões azulado foi a pique hoje pela manhã, após ser alvejado por uma andorinha de verão que o partiu ao meio, sendo que o reator abriu-se e depejou uma quantidade enorme de sonetos na atmosfera. Os marinheiros livraram-se com vida e ficaram descontaminados do belicismo do gigante.


Tudo ocorreu no Mar de Espanha, no interior de uma doca daquele país poético e macunaímico.


Finalizando, alerto a todos os belicistas e adoradores da prancha de aço de 300m, que parem de acessar esse blog, sob o risco de serem percolatados pela inteligência emocional das agências de turismo. Entenderam, não é?


O naufrágio do azulado vos livrará da maldição de Netuno. Leiam poemas e joguem fora os seus bodoques.


P.S. A imagem anexa está levemente desfocada para disfarçar o portentoso porta-aviões.

terça-feira, 14 de julho de 2009

Tempos e Movimentos

Quais caminhos penetram no passado?
Todas lembranças que esvaziam o presente.
São os devires do futuro pertencentes?
Da escuridão, as pertinências do imago.

Santo Agostinho intuiu um tempo
coalescente, no mundo noético.
Revelou na cãmara poética
da alma impregnada de alento.

Quantos tempos são prementes?
Um tempo: presente do passado;
outro tempo: presente do presente;
terceiro tempo: presente do futuro.

Quantos tempos vivemos no presente?
Vivem em nós o tempo coalescente,
assim é Aion: o eterno tempo
e Kairós: o oportuno tempo.

Quantos tempos vivemos na vida
e ainda assim não temos tempo?
Porque só existimos para os movimentos.
Uma orgãnica ilusão fortalecida.




segunda-feira, 13 de julho de 2009

detalhes


























quinas, pontas e mourões
penas e peitos de pombos
montam vigia ao longo,
arandelas, redondilhas e lampiões,
matizes,vernizes e caiados,
sombras e luzes nos airados,
limos e pátinas nos telhados,
brancos e cinzas em detalhes
sacadas, janelas e umbrais,
esquinas de outros olhares,
de tempos passados coloniais,
cerâmicas, ferros e vidros
resistem aos incertos perigos
dos ares marinhos e chuvas
das marés e palavras chulas

sexta-feira, 10 de julho de 2009

Em se tratando de pedras

pedras lisas,
pedras finas,
pedras pontudas,
pedras agudas,
pedras gordas e deitadas,
roucas e assustadas,
pedras fortes e viscosas,
seculares e rochosas.
Ah, quantas pedras há em Paratí.
Pedras de pedras,
de escravos, de carregadores
e de tantos opressores,
dos tais portugueses
e de tantos poucos brasileiros,
que hoje enchem as vielas,
os becos, as ruelas
de falas, de falas e tantas falas,
até o desvanecer das vozes,
pela madrugada de tosse.
É o tempo da pedra de toque.

O PERFUME EXALADO

OBS: este conto é continuação do FRASCO MORTAL, que encontra-se publicado logo abaixo.

Após a morte do infeliz surdo-mudo envenenado pela própria mulher, instalou-se em mim, definitivamente, uma total descrença no ser humano. A ambição e o orgulho são os motores da humanidade e nada é capaz de deter a escravidão humana de tais sentimentos. Os que não são nem ambiciosos e nem orgulhosos são os fracos e os loucos.
O choque emocional que senti logo após a tragédia, gerou em mim uma compulsão tão obsedante, que me levou a urdir um ato extremo. Quis reaver o frasco da morte do surdo-mudo, que continha minhas impressões digitais e desmascarar a mulher fatal.
Ao longo do processo de investigação e desembaraço do corpo, incluindo o traslado, por serem eles brasileiros, a viúva permaneceu no hotel, apenas tivera que trocar de apartamento, em função das praxes oficiais. Instalou-se no apartamento e frente ao meu, que já houvera pernoitado.
Essa proximidade trouxe-me inquietação, pois vinha sentimentos de repulsa pelo diabolismo e fascínio pela beleza da estranha viúva. À noite, jantei com amigos, aos quais relatei tudo o que ocorrera. Ficaram perplexos com o relato, mas disseram que eu deveria me manter distante de tudo, até porque eu viera à Buenos Aires, para me recuperar da fadiga e não para aumentá-la.
Voltei ao hotel e fui dormir. Não pegava no sono e remexia na cama de um lado a outro. De repente, ouço uma movimentação no corredor próxima a porta e corri ao olho mágico. Ninguém. Voltei, mas fiquei aceso; minha atenção decifrava todos os ruídos. Permaneci assim, até que mais uma vez, um ruído no corredor. Saltei da cama e de novo a postos a observei chegando.
Era uma hora da manhã. A porta encontrava-se escancarada e eu permaneci firme no posto de observação, quando subitamente, meus olhos se encheram com a visão da viúva seminua, somente com uma calcinha e um soutien pretos, mais um leve peignoir. Veio em minha direção. Olhava fixamente para o olho mágico, como soubesse que eu estava ali furtivamente vigiando-a. Cheguei a dar um passo atrás. Minha respiração acelerou, o coração retumbava no peito, de tal modo que ela poderia ouvir. Ela estancou junto à porta e pousou seus lábios vermelhos sobre o olho mágico, deixando-o totalmente manchado de batom. Voltou-se e deu uma risada misteriosa.
Manhã cedo do dia seguinte, eu continuava embaraçado. Não sabia como agir. Desci para tomar o breakfast e retornei em seguida. Definitivamente, não possuía o talho dos detetives e muito menos a coragem dos espiões, que bisbilhotam sem serem vistos. Foi dessa idéia que surgiu outra idéia.
Abri o meu laptop e o deixei ligado sobre o aparador da televisão, um pouco voltado para a porta. Escancarei a porta e aguardei do lado de fora, próximo da escada de incêndio. Preparei um e-mail e fiquei à espreita. Não demorou muito e a porta da viúva começou a abrir e ato contínuo, através do meu palmtop, enviei o e-mail.
Ela foi banhada pela luz natural que entrava pela janela do meu apartamento. Um simples som chamou sua atenção: plin. Ela identificou o som característico de novo e-mail na caixa postal. Virou o rosto em ambas as direções do corredor. Ninguém à vista. Ainda com sua porta aberta, aproximou-se do umbral do meu apartamento, em busca da minha presença e encorajada pelo vazio humano, avançou. Mordera a isca.
Corri em direção ao seu apartamento e com agilidade felina, que só as altas doses de adrenalina produz, adentrei e mantive a porta com a mesma abertura. Pude observar seus movimentos. Ela estava lendo o e-mail: tua ambição está chegando ao fim, Sofia. Ela sentiu o golpe. Fez alguns pequenos movimentos, olhando ao redor e antes que saísse do meu quarto, fui me esconder no seu banheiro. Só ouvi o ruído da sua porta sendo batida. Aguardei alguns segundos e saí do banheiro. Fui até a porta e pelo olho mágico vi o campo livre. Fechei a minha porta, pois agora tinha uns bons minutos para investigar e achar o frasco da morte.
Estava debruçado no banheiro sobre uma grande necessaire, cheia de cremes, tubos de rímel, escovas e batons, quando vi o frasquinho. Peguei-o na mão e o limpei, mas algo me fez abri-lo. Havia levado um tubinho de testes de urina, que havia comprado antes de viajar. Talvez encontrasse uma possibilidade de realizar um espectrograma da substância. Abri o frasquinho.
Rapidamente o banheiro foi totalmente invadido por uma forte essência de perfume, que após alguns segundos no ar, deixou-me nauseado e tonto. Foi neste instante, que ouvi a porta do apartamento abrir. Instintivamente, apaguei as luzes do banheiro, mas ao procurar me esconder no boxe, acabei esbarrando no frasco, que foi ao chão frio, onde espatifou em mil pedaços e derramou seu conteúdo. Eu, em seguida tombei desmaiado. Não me lembro quanto tempo levei desacordado, impregnado pela poderosa substância contida no frasco.
As luzes eram fortes e o ambiente me lembrava um hospital, quando voltei à consciência. As vozes, um pouco conhecidas, até que reconheci Sofia ao lado da minha cama, conversando com o médico. Do outro, o surdo-mudo em pé sorrindo para mim. Ouvi mais algumas palavras e desmaiei de novo.
-- Sim, de fato houve alguns inconvenientes, mas já está tudo resolvido, Dr Gutierrez. Aqui está o seu paciente de volta. Ele ainda delira bastante e às vezes alucina. A última foi, que eu havia envenenado o pai dele, aqui na sua frente...



FIM