domingo, 27 de setembro de 2009

Moby Dick: o Leviatã de Aderbal



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Em muitos momentos da vida, os homens confrontam seus Leviatãs. Alguns destemidos avançam, outros, acovardados recuam. Há Leviatãs tão terrificantes, que subjugam seus tributários somente por suas imagens de monstros, o que ocasiona tremores e fugas fragorosas. Para a outra categoria, cara feia não mete medo.

Os seres humanos guardam dentro de si os mais poderosos Leviatãs, que são instrumentalizados através das máscaras sociais do pai, do marido, do patrão, do juiz, do padre, do professor, do amante, dos filhos, etc. São convertidos em ditadores, em déspotas e torturadores, apreciadores das cruéis perversões sádicas. Há também os Leviatãs simbólicos como uma montanha que desafia os escaladores, ou empreitadas físicas de esforço sobre-humano, que fazem parte da natureza de superação humana.
Os piores e mais assombrosos Leviatãs são os imaginários, que só existem dentro da psiquê humana, que arrastam suas presas para uma espécie de incapacidade moral de resistir ao pavor que exercem sobre elas. De modo geral, essas vítimas de si mesmas se escoram nas religiões.

No romance Moby Dick, de Herman Melville, o capitão Ahab é o principal personagem, que não recua diante do seu Leviatã, um perigoso cachalote branco, que deseja obsessivamente matar. Um juntamento de homens de diversas culturas ingressam nessa aventura de Ahab, no barco baleeiro Pequod e iniciam uma perambulação pelos oceanos atrás do temido Leviatã.
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Aderbal Freire-Filho contrói seu Moby Dick num recorte de 3x4, como ele mesmo diz, mas não preconiza a aventura em si e sim os modelos de interação cultural da tripulação e o significado de uma obsessão de morte entre o elemento da cultura, Ahab e o elemento da natureza, Moby Dick. Esta metáfora é recorrente em todas as análises literárias do livro de Melville e é isso que se vê nesta encenação bem dirigida e interpretada.
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O livro é esse elemento cênico. Um vínculo da interação da cultura representado pelos barcos de remos, que perseguem a baleia, o ser livre, natural e assassino. Culmina com a destruição de Pequod, num momento cênico forte interpretado por Chico Diaz, como o Leviatã. Uma inteligente solução linguística usada por Aderbal.
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O cenário é o deck do Pequod, é bem feito e é evocativo. Os atores poderiam utilizar mais esses elementos cênicos, como o mastro e os cordames, o que daria uma movimentação interessante, sem embaraçar a assistência, já que o espaço do Teatro Poeira tem uma arena de pequenas dimensões. Os arpões são um destaque à parte, com o ponto alto sendo a celebração do sangue dos arpoeiros, para combater o grande, furioso e móvel (mob) falo (dick). Os esguichos das baleias são surpreendentes, mas faltou um fog, uma luz noturna, uma inspiração a mais. Esperava mais da luz, achei-a burocrática, um espetáculo sem cor, à exceção do esguicho da morte de um cetáceo, pouco aproveitado pela luz. Os figurinos são muito bons e o desempenho dos atores é profissional e maduro. Todos brilham sob a mesma batuta.
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Aderbal Freire-Filho enfrentou seu Leviatã, o Moby Dick e o venceu, ainda que Ahab não o tenha conseguido. É um espetáculo a ser visto, por tudo que foi dito, mas sobretudo pela solução teatral dada a um romance longo e diversificado.

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